Manual do músico independente

Uma pequena introdução não exaustiva acerca do que é necessário para ser músico independente.

Hugo Centúrio
12 min readMay 16, 2018

Tens de saber vender. Tens de te saber vender. Tens de saber vender música.

Tens de chegar às pessoas certas: estarás a perguntar quem são?…boa pergunta.

Tens de criar uma base de fãs: Começa nos amigos e família mas tens de crescer para além disso. Só podes contar com os amigos uma ou duas vezes, depois disso és uma seca.

Tens de ter know-how de negócio (ler sobre a indústria, sobre os players de mercado, conhecer a terminologia).

Tens de fazer boa música: O que é boa música? É aquela que tu gostas de fazer e o resto das pessoas gostam de ouvir para bem da tua sobrevivência musical. Isto se quiseres viver da música claro. Não é para todos. Como em qualquer negócio. Sim estou a escrever sobre negócio e não de arte.

Tens de vender merchandizing: Através do merch consegue-se espalhar a palavra e obter lucros, mas é preciso investir à cabeça. Ou usar plataformas em que não seja necessário ter stock, como o Zazzle ou o TeeSpring. No entanto a venda é melhor conseguida se for por impulso, ou seja, nos concertos.

Tens de saber usar ferramentas de email marketing: manter uma base de dados com os contactos de email, fazer campanhas regularmente a oferecer produtos relacionados com o teu nome artístico a.k.a brand.

Tens de ter uma base de dados com contactos da indústria. Lembra-te sempre como podes ajudar alguém e não o contrário. Dar é receber.

Tens de te vender como veículo promocional de produtos de terceiros: a.k.a patrocínios. Se tens uma legião de fãs (quem é que tem?), alguém poderá estar interessado em lhes vender alguma coisa através de ti.

Tens de ter noção de branding. Tu és uma marca. Tens uma personalidade própria, comunicas de uma forma diferenciada dos outros, és único. Queres passar a tua mensagem. Tens de lhe dar uma forma. Isso chama-se branding.

Tens de produzir música: produzir significa pensar em termos de produto, a quem se dirige, qual o nicho em que se insere, estilo musical, embalagem, distribuição, datas de lançamento.

Tens de saber gravar: não é necessariamente verdade, mas se souberes poupas em estúdio. Gravar em estúdio não é sinónimo de qualidade, mas gravar no homestudio também não. Tens de ter ouvido. Tens bom ouvido? Tens material de gravação? Grava no homestudio. Mas depois não te queixes. Tens de saber que qualidade sonora pretendes. Ouvir outras opiniões. Pode ser um trabalho moroso. Nunca sabes muito bem quando está acabado. A não ser que estejas em estúdio, a pagar a profissionais. Eles vão-te ajudar a perceber quando é que o trabalho está terminado.

Tens de ter um estúdio caseiro. Não tens de ter como já referi mas ajuda a fazeres a pré-produção. Poder gravar maquetas, alinhar ideias e depois ir a estúdio.

Tens de saber misturar. É uma competência muito útil para poderes trabalhar lado a lado com um produtor mas acredita que vais gastar muito tempo atrás de erros de software e de computadores. Isso é bom e mau. Se quiseres focar-te apenas na composição não queres estar focado nos aspectos técnicos. Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.

Tens de saber masterizar. Esta é uma coisa que não deves fazer se misturaste o teu trabalho. Estás demasiado viciado no teu próprio trabalho e o melhor é deixar a masterização para outra pessoa. Profissional de preferência. Já há soluções online, mas para bem do teu networking e do teu país, contacta alguém em Portugal. Já é altura de trabalharmos juntos.

Tens de tocar ao vivo. É tramado mas parece que se não tocas ao vivo é como se não existisses, mas conseguir que as pessoas assistam aos teus concertos não é tarefa fácil. Os concertos é onde tudo pode acontecer. É onde a adrenalina sobe e onde as pernas tremem sem saberes muito bem porquê. Se não tocares para uma plateia não te sentes vivo, se tocas e não corre bem é o fim do mundo. Emoções, emoções. Subir ao palco não é para todos. É preciso um misto de coragem e estupidez. Mas se vale a pena? Vale. E é nos concertos que a possibilidade de arrecadar mais uns cobres com a venda da tua merch, de acordo com o teu business plan. Tens um business plan não tens?

Tens de editar música. Assim que colocas a tua música online estás a editar. Chama-se auto-edição. Pode estar ou não coberta pelos direitos conexos e de autor mas é uma forma de editar. Mas a edição como um negócio que é tem os seus truques. E são esses que queres dominar. Este é o tema central na indústria da música.

Tens de ter mais de 1 milhão de plays. O streaming veio para ficar e o que tu queres é ter plays no Spotify, Apple Music, Deezer, Tidal, Google Play, Amazon Music etc. Para teres uma ideia de quanto ganhas com 1 milhão de plays visita este site. Pois é, 1 milhão de plays não chega para ser considerado um hit, pois não? Retira a comissão da distribuidora, retira também a parte da editora (se trabalhas com uma). A questão é que se conseguires chegar lá quer dizer que tens visibilidade (ou deve-se dizer audabilidade?!) e oportunidade para continuar a ter mais 1 milhão de plays…ou não.

Tens de saber gerir redes sociais. É uma mais valia saber comunicar, de qualquer forma e hoje em dia, a comunicação é feita dentro de redes sociais.

Tens de ter likes. Caso contrário a mensagens que passas é que não tens interesse nenhum. O mundo é um sítio cruel.

Tens de ter engagement. Ou seja, não basta ter likes, tens de ter gente a comentar os teus post, a partilhar as tuas fotos e videos, a seguirem-te verdadeiramente. Isto é engagement.

Tens de submeter a música a blogs. É uma boa forma de ter exposição e chegar a mais ouvidos. Já se sabe que tudo acontece online. Começa por criar uma lista de blogs de música que escrevam sobre o teu género musical. Verifica o método preferencial de submissão de música para cada blog/site e envia a tua press release. Boa sorte. Existem também sites que agregam os contactos dos blogs e servem de mediadores entre a tua música e os bloggers. Isto é um trabalho de comunicação e promoção que te pode ocupar a tempo inteiro e como tal existem profissionais que te podem ajudar nesta tarefa. Podem abrir muitas portas se estiverem para aí virados.

Tens de saber as estatísticas. Interpretar os dados das visitas ao teu site, número de plays, cliques, tempos de visita, páginas mais visitadas…resumindo Google Analytics. Com esta informação consegues saber mais sobre quem anda a ouvir a tua música e com isso tentar fazer música e produtos que essas pessoas mais gostem.

Tens de saber o que está na moda. Isto é tão subjectivo como a própria música. As pessoas querem ser surpreendidas. Querem mesmo?

Tens de ter um bom vídeo. Um bom video pode projectar a tua música a outro nível. Tens acesso a outros media. Deve fazer parte da estratégia de comunicação.

Tens de saber editar video. Sabes editar video? Então faz lyrics videos.

Tens de ter uma boa foto. Deve inspirar curiosidade, estar dentro do género musical do projecto.

Tens de saber design. Tipo de letra, banners, comunicação.

Tens de saber de webdesign. Faz o teu próprio site. Controla os dados.

Tens de saber o que é um CMS. Content Management System. Wordpress. Website.
Tens de aceitar ‘Não’ como resposta. É o que vais ouvir mais. É uma lição para a vida. Se desistires é porque não queres o suficiente.

Tens de seguir as trends. Mantêm-te musicalmente relevante para o teu nicho musical.

Tens de saber acerca de Propriedade Intelectual. Registo de marca e logotipo para poderes explorar a tua imagem comercialmente.

Tens de ser único. É a tua maior arma. Não teres termo comparação. Teres um género próprio. É o teu fator de diferenciação em relação aos outros. Segue o coração.

Tens de esquecer as trends. Porque queres ser único. Mas tens de as conhecer na mesma.

Tens de ser fixe. Bem disposto, boa onda, cair nas boas graças do pessoal da indústria. Procura fazer por ti mas não sejas farçolas.

Tens de ter um produto diferenciador. Senão és mais um que aí anda (não somos todos?)

Tens de ser mainstream. Parece que é ao que as pessoas mais se ligam mas ser mainstream também depende muito da cobertura que fazem da tua música.

Tens de ser original. Já disse isto? Faz uma cover ou outra para chamares atenção e provares (não sei para quê) que sabes tocar e que aprecias outros músicos.

Tens de te saber promover. Aproveita todas as ocasiões para falares apaixonadamente do que fazes. Não sejas tímido.

Tens de fazer outsourcing. Não vais conseguir fazer tudo sozinho. Arranja uma equipa ou recorre a outras pessoas e profissionais para te ajudarem.

Tens de ser empreendedor. Nada é grande demais para ti. Prepara-te porque o teu momento pode chegar a qualquer hora. Abraça o desconhecido e o risco. Mas não te vendas a qualquer preço. Se as propostas que surgirem fizerem sentido no teu plano a longo prazo, avança, se não interessa só te rouba energia.

Tens de não ter medo do sucesso. O que é o sucesso? Tens de definir o que é sucesso para ti. Concretamente. Tocar uma vez por mês? Ser ouvido por 100 pessoas por semana? Vender 10 discos por dia? Define essas merdas e vai aumentado os objectivos. Chama-lhe um plano. Segue o plano.

Tens de ser politicamente correcto. Dizer e fazer as coisas corretamente como um bom político demagogo e defenderes os teus próprios interesses.

Tens de evitar ferir susceptibilidades. Não levantar muitas ondas, ser simpático.

Tens de ser revolucionário. Caga em tudo e em todos. Nada disto interessa. Só a tua arte interessa. Passa à frente. Só sobrevivem os mais fortes (que normalmente são os mais feios).

Tens de dizer o que pensas. Mas de forma subversiva. Com nuances.
Tens de ser excêntrico. Dar nas vistas. Com uma marca pessoal memorável.

Tens de tocar baixinho. Com alma. Com sentimento.

Tens de fazer barulho. Senão ninguém te ouve. Ninguém quer levar secas. Sê enérgico. Domina o palco, ele é o teu espaço de criação de experiências memoráveis.

Tens de conseguir partir esta merda toda. Dizer caralhadas.

Tens de convencer. Ser convincente. Autêntico. Mais do que encarnar uma personagem, tens de ser a personagem. Todos os dias. A toda a hora.

Tens de arranjar um nicho. Encontra um nicho musical. Trabalha esse nicho. Depois muda de nicho.

Tens de ser coerente. A música deve ser coerente. Com as mesmas características tímbricas.

Tens de ser incoerente. É melhor não seguir regras e experimentar o que te apetece.

Tens de ter um bom nome. Escolhe um nome artístico fácil de decorar e dizer em voz alta para que toda a gente perceba à primeira. Pesquisa no google antes de escolher.

Tens de ficar no ouvido. A música tem de ser orelhuda.

Tens de ser eclético. Ouvir muita música de géneros diferentes e trazer essas combinações às tuas composições.

Tens de fazer música vendável. Ou então cais na armadilha de ninguém te ouvir.

Tens de ser independente. Não assines nenhum contrato. Mantém o controlo sobre a tua música.

Tens de ter editora. Assina com uma editora, vai facilitar a divulgação.

Tens de assinar com uma grande editora. Assina com uma ‘Major Label’. Vai facilitar o estrelato. Prepara-te para ser explorado.

Tens de evitar ser auto-editado. Ou então ninguém te ouve. És um Zé ninguém. Um pobre coitado cuja audiência é a tua mãe.

Tens que saber fazer contas. Cada cêntimo conta. Cada stream é um milésimo de cêntimo de euro. Muitos streams juntos dão qualquer coisa.

Tens de viver a vida um dia de cada vez. Como se não houvesse amanhã.Viver no risco.

Tens de planear. Tens de saber planear. Cada release. Mapas detalhados. Planos de marketing. Calendarização de releases. Dizem que a sexta-feira é o melhor dia para lançar. Calendarização de posts em redes sociais.

Tens de aparecer. Estar com o pessoal. Dizer que está tudo em cima. Sempre com conversa positiva. Na boa. Boa onda.

Tens de ir aos concertos dos teus amigos músicos. Porque o bom músico vai aos concertos dos outros músicos. Isso e podes roubar ideias.

Tens de fazer networking. Depois logo aprendes o que é networking. Na verdade ninguém sabe fazer isto muito bem em Portugal. É um tipo de colaboração em que todos estão à procura de negócio e é suposto toda a gente saber disto. Não são amizades. Não confundas. Não quer dizer que não faças bons amigos.

Tens de colaborar. Colabora com outros músicos e em outras áreas também. Ajuda outros que estão no mesmo caminho. Que estão a começar. Estes são os músicos e artistas de amanhã.

Tens de tocar em Festivais. É onde se ganha dinheiro a tocar ao vivo e são boas plataformas de lançamento de carreira.

Tens de ir a Festivais pro. Fazer networking claro. Aprendes muito nestes festivais. Encontras outros profissionais que te podem ajudar e outros os quais tu podes ajudar.

Tens de saber de direitos conexos. Sempre que a tua música passa na rádio ou televisão tens dinheiro a receber. Para o receberes tens de estar registado na GDA.
Tens de saber de direitos mecânicos.Sempre que a tua música passa num café ou elevador tens dinheiro a receber.Para o receberes tens de estar registado na SPA.
Tens de estar em cima dos royalties.Sempre que a tua música passa no Youtube, Spotify, Apple e outros serviços de streaming tens dinheiro a receber. Para receber tens de estar ligado a uma distribuidora digital.

Tens de saber o que é streaming. Este veio para ficar e dizem que acabou com a pirataria mas ninguém sabe muito bem.

Tens de saber de streaming interactivo. Também não sei o que é isto!?

Tens de saber de publishing. Imagina que um publisher se chega ao pé de ti e te diz que consegue colocar a tua música num anúncio ou num filme. Isso é publishing.

Tens de saber de sincronização. É quando uma música é colocada num filme ou anúncio.

Tens de saber o que são PRO’s. São as entidades gestoras de direitos.
Tens de estar registado na SPA. Se quiseres receber direitos de autor em Portugal é aqui. Podes estar registado noutra qualquer no estrangeiro se quiseres.

Tens de estar registado na GDA. Se quiseres receber direitos conexos é aqui.

Tens de saber o que é a Audiogest.
Tens de estar registado na Audiogest. Esta é para as editoras e para os autores auto editados receberem os direitos conexos. A Audiogest distribui o dinheiro às editoras relativos às músicas que passam nas rádios e televisões. Se fores auto editado, além de receber direitos conexos da GDA, também recebes da Audiogest porque és uma editora.

Tens de estar registado na AMAEI. Não tens, mas se estiveres, vais encontrar pessoal que te vai ajudar a esclarecer esta treta toda e a tratar da papelada.

Tens de saber o que é um intérprete. É o nome de quem

Tens de saber o que é um executante. Será quem toca na gravação. Um guitarrista, baixista ou baterista serão executantes.

Tens de saber o que é a distribuição digital.

Tens de saber o que é ISRC. É um código único para cada gravação. É através deste código que as entidades gestoras conseguem fazer a distribuição de dinheiro a quem pertence a gravação. Normalmente as distribuidoras digitais fornecem este código.

Tens de ser uma editora.É uma vantagem controlar as tuas próprias edições e receber os direitos pelas mesmas.

Tens de saber de licenciamento. Isto é importante para a sincronização. Se és o teu próprio publisher, podes licenciar a tua música ao preço que quiseres. Plataformas como o Songtradr servem como intermediários para licenciamento mas os valores costumam ser baixos.

Tens de saber de agenciamento. Para tocar ao vivo tens de lidar com agentes, ou então mais uma vez, podes fazer tudo sozinho. Contactar os locais dos concertos, negociar cachets, organizar tours.

Tens de ter um bom presskit. É um cartão de visita. Faz uma página no teu site com: foto (alta resolução), dois ou três links para mp3, bio longa e bio resumida. Tenta contar a tua história de forma interessante. É esta história que vai ser espalhada para todo o lado.

Tens de ter um bom website. É a tua casa. Isto já foi mais verdade, mas ainda assim é um espaço que tu controlas e resiste à passagem do tempo (lembras-te do myspace, hi5?)

Tens de gerir contactos. Mailing list para várias categorias. Uma para fãs, outra para os media.

Tens de ter PR. Talvez a coisa mais importante disto tudo. Encontra alguém que tenha uma relação próxima com os jornalistas e influenciadores no mundo da música. Estas pessoas deverão ter uma base de contactos grande e bem trabalhada. São eles que dão o selo de garantia que o pessoal que faz divulgação não vai perder tempo e que a tua música merece ser ouvida e promovida.

Tens de passar na radio. Ganhas dinheiro se a tua música passar nas cerca de 18 estações de rádio que contribuem para a SPA e GDA.

Tens de passar na televisão. A mesma coisa que a rádio.

Tens de ter um bom manager. Alguém com estes conhecimentos todos e não se queira aproveitar de ti. Alguém que esteja disposto a tratar da papelada. Alguém te aconselhe e que acredite na tua visão musical.

Tens de saber de contratos. Assina contratos para evitar problemas no futuro. É uma questão de precaução porque quando cheira a dinheiro as merdas acontecem.

Tens de fazer bons contratos. Lê bem as cenas. Pede conselhos a outros e compara as condições. Quantas histórias já ouviste falar de artistas que foram prejudicados pelas editoras?

Agora esquece tudo isto e vai fazer o que gostas: ainda é música?

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Hugo Centúrio

Escrevo sobre música, veganismo, inovação, sociedade e afins // harmrecords.com // Go Vegan🌱or go bust